12 Coisas Que Ninguém Te Disse Sobre A Produção Vocal No Teu Estúdio Caseiro
No nosso estúdio de produção, recebemos cada vez mais pistas e stems de voz para mistura, as quais foram produzidas e gravadas em estúdios caseiros. Nos últimos dois anos, a pandemia mundial de COVID-19 criou dificuldades e oportunidades para os artistas visitarem o nosso estúdio e gravar corretamente as suas vozes numa das salas de gravação mais bonitas e dotadas de um perfeito tratamento acústico no mundo – a nossa.
Fazer com que as vozes soem bem num estúdio caseiro é sempre um desafio. Para evitar cair nas mesmas armadilhas de muitos produtores principiantes, compilei 12 erros comuns na produção de voz em estúdios caseiros, juntamente com dicas para os solucionar.
#1 IGNORAR A SALA
A primeira coisa que notamos numa cabine de voz profissional ou numa sala de gravação ao vivo como a nossa é o silêncio.
O tratamento acústico minimiza os reflexos vocais e permite captar um sinal limpo. Já num quarto, o som acabará por fazer ricochete nas paredes e no teto e regressará ao microfone, afetando a qualidade do sinal. O ruído ambiente do exterior, além do zumbido dos electrodomésticos e produtos eletrónicos, representam também outros obstáculos.
#2 O QUE PODES FAZER PARA DIMINUIR A MÁ ACÚSTICA DOMÉSTICA?
Para começar, evita gravar em salas com demasiadas superfícies duras e janelas.
Para um maior controlo, dispõe painéis acústicos absorventes ou coberturas macias na parte de trás e nas laterais de um microfone para criar uma “zona morta” que impeça o som de escapar e ricochetear.
Fazer com que o vocalista cante dentro de um cobertor pode parecer uma tolice, mas desta forma obterá uma gravação tão seca quanto possível.
A organização do espaço deve ser feita antes da chegada do vocalista, como é óbvio. Não o faças esperar enquanto reorganizas mobiliário, penduras os edredões, e fazes testes de tom na sala.
💡 Depois de gravar, podes usar plugins como oiZotope RX Audio Restoration ou ferramentas como De-hum e De-reverb, para corrigires a qualidade baixa da acústica da divisão. Embora estas ferramentas sejam capazes de o ajudar a limpar erros comuns de gravação, não devem ser utilizadas como substituição do tratamento acústico. Regista a melhor qualidade vocal diretamente a partir da fonte e, depois, passa-a pelos plugin disponíveis no mercado, se necessário.
#3 NÃO OPTAR POR RESOLVER OS PROBLEMAS EM PRIMEIRO LUGAR
Interromper uma sessão de gravação várias vezes para resolver questões técnicas é um desperdício de tempo e energia, especialmente quando o vocalista está presente. Após configurar o espaço de gravação, deves fazer alguns testes para garantir que a sua instalação e equipamento funcionam sem problemas. Isto também deve ser feito antes do início da sessão.
Começa pelo básico, ou seja, verifica se o teu microfone está ligado à placa de som e se o seu computador está a receber sinal. Prepara também todos os microfones e cabos de que necessitas. Ao testares a tua própria voz, poderás notar um atraso entre o tempo que o teu computador demora a receber um sinal e a sua reprodução posterior. Embora não haja forma de eliminar por completo a latência numa DAW (sem uma placa de som profissional com monitorização interna), esta não deve ser audível durante uma sessão. É muito difícil para um vocalista ter uma boa performance se houver um atraso nos seus auscultadores.
A latência audível é provocada pela CPU em stress, obrigada a lidar simultaneamente com vários instrumentos de software e plugins. Para resolver este problema, tenta ter a sessão com um único ficheiro estéreo ou alguns stems, importando-os para uma nova sessão a fim de poupar a energia do CPU. Esta última opção garante mais flexibilidade, porque cada stem pode ser nomeada e depois equilibrada em relação aos níveis preferidos dos vocalistas. A tua nova sessão também deve ter várias pistas vazias devidamente configuradas para receber sinais de microfone.
Além disso, recomendamos também ligar o seu modo de baixa latência nas DAWs e reduzir o tamanho do buffer. Um buffer elevado é vantajoso na mistura, mas negativo para a gravação. Põe uma hora de parte para aferir e solucionar problemas técnicos.
#4 USAR O MICROFONE ERRADO
Para começar a tua aventura na gravação, provavelmente adquiriste um microfone para todos os fins, por um preço acessível, ou então pediste emprestado um velho microfone de guitarra a um amigo.
Embora a boa música seja uma questão de talento e não de ferramentas, usar o microfone errado tornará captar a voz com qualidade um pesadelo. Se queres levar a gravação vocal a sério, tens mesmo de investir não só num microfone específico para a qualidade vocal, mas também num suporte, e num pop-filter. Abaixo sugiro algumas opções acessíveis para microfones.
Escolhi a Thomann por ser uma loja de equipamento musical europeia que adoro. Muito do equipamento que temos nos Sound Pressure Studios foi comprado na loja de música Thomann.
e tiveres vários microfones, prepara-os para o vocalista e pede-lhe para cantar algumas linhas em cada. Ouve criticamente as gravações para determinar qual deles melhor se adapta ao timbre e estilo de canto do vocalista.
Escolher o microfone certo significa menos EQ e compressão para fazer o corte vocal no momento da mistura.
Eis as minhas sugestões de microfones adequados para gravação da voz no seu Home Studio:
Cápsula de microfone com base na cápsula Neumann U67 / U87, K87
#5 A MISTURA NOS AUSCULTADORES COM EFEITOS
Já alguma vez ouviste uma gravação seca da sua própria voz? Pode ser uma experiência bastante estranha.
A maioria dos vocalistas sente o mesmo. Depois de atingir um nível auricular confortável, pergunta ao vocalista se ele quer ouvir efeitos nos seus auscultadores enquanto canta. Muitas vezes, algum reverb fá-lo-á sentir-se à vontade e possibilita uma performance mais confiante. Na maioria das DAWs, é possível durante a gravação enviar um canal de reverb auxiliar para os auscultadores, sem que esse efeito seja incluído no programa.
Inviste cinco minutos no início da sessão para motivar o vocalista. Será que uma EQ forte é útil? E os efeitos de afinação? E a saturação? Para vocalistas com uma vasta amplitude de volumes, a compressão tem vantagens. Tem alguns efeitos num canal auxiliar prontos para entrarem em jogo.
O passo seguinte é fazer play na música. Faz com que a música surja lentamente e, depois, pede ao vocalista para indicar com um gesto quando esta estiver suficientemente alta, mas não em demasia. O objetivo é fazer com que ele seja capaz de se ouvir a si mesmo, mas também de entrar no ritmo da canção, na melodia e na sensação. Ao longo da sessão, faz updates com o vocalista relativamente aos níveis e efeitos dos auscultadores. Isto conduz-nos ao próximo erro…
#6 CONTROLA SEMPRE A SESSÃO DE GRAVAÇÃO COMO UM PROFISSIONAL!
Enquanto produtores, podemos ser pessoas tímidas, que se sentem mais confortáveis atrás do ecrã e concentradas no capítulo do som. Apesar de isto não representar um problema em si mesmo, há outras competências necessárias para liderar uma sessão de gravação de voz.
Para começar, é importante antecipar as necessidades que os vocalistas terão. Há aqueles que optam por fazer exercícios de aquecimento e exercícios vocais antes de gravar, enquanto outros chegam ao estúdio prontos para começar. Está preparado para os dois cenários e tem água suficiente à mão para evitar que os vocalistas sintam sede.
Entre os vários takes, diz algumas palavras de encorajamento. Se o take correr bem, isto acaba por ser fácil, mas a situação pode ser mais complexa se correr mal.
Escolher incorretamente as palavras pode ser ofensivo e estragar uma sessão. Dá um toque positivo às críticas, dizendo coisas como “canta como se ninguém estivesse na sala” ou “opta por uma vibe mais divertida” – ou seja, coisas que incutem confiança.
Cria uma atmosfera onde o vocalista se possa exprimir. Se a energia da performance for baixa, pede ao vocalista para explicar o significado da letra ou para visualizar a canção. Isto irá aproximá-lo da narrativa e melhorar os takes seguintes.
O ponto central passa por comunicar bem com o vocalista. Se precisares de ouvir novamente um take ou fazer uma edição rápida na sua DAW, transmite isso abertamente.
Em vez de aumentares o gain quando um take apresenta um volume demasiado baixo, tenta perguntar ao vocalista se, desviou-se do microfone e pede-lhe para se aproximar.
Por outro lado, o vocalista pode solicitar muito reverb ou delay nos seus auscultadores. Isto tornará mais difícil para ele ouvir nitidamente a sua voz e manter o tom correto – o teu trabalho é informar o vocalista sobre estas questões.
Dito isto, não interrompas os vocalistas, não forces um fluxo de trabalho pouco natural, nem dês conselhos infundados.
#7 CUIDADO COM O GANHO
Nos dias que correm, quase todas as DAWs têm headroom suficiente para um sinal de entrada sem distorção, indo além do que era possível antigamente. Contudo, estabelecer o nível de entrada de vozes no teu computador é ainda hoje um capítulo negligenciado e mal compreendido da gravação de voz.
Sugiro o seguinte: grava um take de teste, onde o vocalista não sinta pressão, e utiliza-o para ajustar os níveis de entrada.
Se o nível de entrada for demasiado baixo, a voz terá dificuldade em destacar-se na mistura, enquanto níveis de entrada elevados correm o risco de distorcer. Lembra-te que o vocalista provavelmente cantará mais alto depois de aquecer a voz. Para manter o headroom, tenta alcançar um nível vocal entre -3 e -9dB. Se os picos mais altos no teste atingirem -6 dB, os takes seguintes poderão ter um volume excessivo.
Um ponto extremamente importante: para ajustar o nível de gravação de voz, os canais de mistura na tua DAW serão inúteis. Estes canais controlam o nível de saída dos vocais depois de gravados. Para ajustar os níveis de entrada, usa o botão de ganho na tua placa de som ou no pré-amplificador externo que estás a usar.
É possível que te sintas excessivamente confiante ou distraído, dando por concluída uma sessão vocal após dois takes apenas. Isto é um erro. Assim que entrars no modo produtor-engenheiro, tens de conseguir encontrar problemas de voz e entoação que os plugins não conseguem resolver.
Trabalhar com vários takes dá-te mais opções criativas para depois agregar as melhores partes.
Ao concluires o take de teste, ouve mais três ou quatro vezes toda a canção. Neste ponto, o vocalista deve ter já uma boa perceção da canção. Ouve com ele o que foi gravado para terem ideia das secções que precisam de ser trabalhadas e depois pergunta-lhe como proceder. Será melhor ideia tratar dos versos e depois dos refrões? E que tal uma abordagem linha a linha? Opta pelo melhor método para o vocalista.
💡 A menos que sejam horríveis, não descartes os primeiros takes, mesmo que consideres a tentativa mais recente a melhor. Após vários takes, facilmente esquecemos o que foi capturado no início. Mas é possível que o teste de baixa pressão possa ser o mais convincente de toda a sessão.
#8 DEIXA A VOZ FLUIR. A EDIÇÃO E O COMPING EXCESSIVOS PODEM ARRUINAR O DESEMPENHO VOCAL
Assim que estiveres confiante em relação aos takes que tens em mãos, o passo seguinte é juntar as melhores partes de cada, numa única e uniforme voz. Este processo é conhecido como comping.
Nesta fase, o mais importante é o tom, a entrega e o timing da voz, em oposição ao timbre.
O timbre deve ser sempre corrigido mais tarde.
Dada a natureza visual do comping, focada nos detalhes, é fácil deixar-se levar pelo número de edições.
Alguns produtores decidem escolher determinadas palavras e até sílabas de vários takes, numa procura pela perfeição técnica. Este preciosismo por vezes é necessário. Mas, para manter a devida consistência, a recomendação é fazer o menor número de edições possível.
Uma abordagem eficaz é começar com a melhor performance global e trocar as piores frases e palavras com versões mais fortes de outros takes. Assim, a edição é mínima e a musicalidade permanece intacta.
💡 Além de verificares sucintamente as edições vocais a solo, faz o comping das vozes juntamente com a faixa de apoio. Caso contrário, terás de editar pequenas falhas que de outra forma passariam despercebidas no contexto da música.
#9 AO EDITAR, O MAIS IMPORTANTE É A PERFORMANCE. USA OS TEUS OUVIDOS.
É normal que os vocalistas se antecipem ou atrasem em certas frases e palavras. Mas até um ligeiro atraso no tempo pode afetar uma canção. O teu trabalho é restabelecer o ritmo da performance.
💡 Tal como no comping, confiar nas formas das ondas visuais para ajustar o timing tem um lado negativo. Os principiantes, quando pretendem manter a qualidade da sessão, muitas vezes alinham as vozes com base na grelha de uma DAW, ignorando o groove natural da canção. Isto pode criar mais problemas de sincronização.
Algumas frases e palavras serão quantificadas na perfeição, mas isto não acontecerá sempre. Se estiveres a ter dificuldades em acertar o timing, ignora as indicações visuais no ecrã e deixa que os teus ouvidos assumam a dianteira. Alinha também vozes duplas ou harmonias com a voz principal – as consoantes devem alinhar-se no espaço de milissegundos.
Há ferramentas, como o plugin de timing de voz e ajustamento de timbre Synchro Arts VocAlign Ultra, que tornam mais simples a tarefa aborrecida de ajustar o timing e o timbre da voz em vários takes e partes, alcançando rapidamente os resultados pretendidos.
#10 DINÂMICAS VOCAIS. É PRECISO PRESERVÁ-LAS!
O desempenho vocal torna-se mais rico com uma variação dinâmica.
Numa questão de segundos, uma voz pode passar de um sussurro para um rugido. Mas, para resolver questões relacionadas com a frequência, muitos produtores utilizam uma EQ estática, que corta ou aumenta as frequências independentemente da alteração do áudio.
É boa ideia configurar uma EQ para atenuar as altas frequências estridentes quando um vocalista atinge o volume mais elevado, mas esta decisão pode afetar negativamente a nitidez vocal quando o volume é mais baixo. Nestes casos, a melhor solução é utilizar uma EQ dinâmica, reagindo apenas quando necessário, numa amplitude de frequência específica com uma atenuação também ela específica.
#11 FAZ UM PLANO ANTES DE USAR OS EFEITOS! OUVE AS REFERÊNCIAS!
Adicionar efeitos à voz, sem para isso ter qualquer estratégia, é um erro comum que pode rapidamente degradar a qualidade de uma mistura. A maioria dos efeitos de voz são versáteis. Por isso, é importante conhecer o seu propósito e o seu devido lugar.
Vejamos a compressão, por exemplo. Entre outras situações, pode nivelar picos de ruído, limitar a dinâmica, e enfatizar detalhes. Antes de colocares pé a fundo na compressão – ou qualquer outro efeito –, é importante saber o que quer extrair com essa opção.
Defendo a cem por cento a experimentação. Mas, nalguns casos, é melhor ter um plano.
💡 Antes de começares uma mistura, ouve algumas referências cujo som de voz é aquele que pretende atingir. Anota aquilo que faz o engenheiro de mistura para salientar as vozes e utiliza isto como ponto de referência. Isto fará com que seja mais simples emular padrões comerciais, ao mesmo tempo que desenvolves as tuas próprias técnicas.
#12 AUTOMATIZAÇÃO! NÃO TE ESQUEÇA DELA!
Os produtores costumam perder gás no fim de uma mistura, por isso a automatização muitas vezes apresenta-se como um obstáculo incontornável. Costuma ser mal feita ou ignorada. Recomendo-te que faças o oposto disso.
A EQ e os efeitos realçam os pormenores no desempenho vocal.
automatização permite aos produtores moldar estes pormenores ao longo do tempo, adaptando-se ao desenvolvimento de uma canção. Este controlo criativo permite misturas com um som mais profissional.
Molda as pontas finais do reverb e delay à medida que estes se desvanecem. Manipula a distorção e saturação para alterar o timbre geral. Aumenta os níveis no segundo refrão para competir com as faixas de guitarra acrescentadas.
Lembra-te que as vozes pop modernas não tentam recriar uma performance natural.
💡 Se soar bem, não ignores a automatização só por esta parecer pouco convencional na prática. Há muito a ganhar com a automação – quase todos os parâmetros da tua DAW podem ser utilizados para alcançar o teu objetivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os erros são parte natural da produção. Todos os cometemos e, com isso, aprendemos a evitá-los ou a geri-los de uma melhor forma no futuro.
Verdade seja dita: mais do que doze coisas podem correr mal durante a produção de uma voz. Alguns dos erros aqui mencionados podem não encaixar exatamente na tua situação.
Contudo, é importante frisar que os problemas mais frustrantes da produção vocal surgem no início de uma sessão de gravação – ou seja, preparar a sala e o equipamento, além de trabalhar com o vocalista para conseguirem em conjunto o melhor take. Se esta parte for bem feita, então a edição, a adição de efeitos e a mistura serão mais fáceis.
Tiveste momentos frustrantes em sessões de produção ou gravação vocal no passado que queiras partilhar?
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