Costumo dizer que não há regras nas misturas, mas o tempo ensinou-me que elas existem, e algumas são muito importantes para ter uma canção comercial que soe “comercial”. Há algumas regras elementares básicas e cruciais para estabeleceres a abordagem certa quando começas uma mistura e outras quando desenvolves essa mistura até ao fim.
Hoje não vou abordar esse assunto, mas sim falar sobre algumas das coisas mais importantes a fazer e a evitar quando misturas as tuas próprias músicas ou as de outra pessoa!
Sim, algumas são dicas básicas, mas sei que às vezes é fácil esquecer essas simples “regras” (lembra-te: não há regras desde que faça as tuas próprias, de acordo com o teu ritmo de trabalho e mindset)!
#1 COMEÇA COM OS ELEMENTOS MAIS IMPORTANTES
Há quem comece uma mistura, gravação ou arranjo com a bateria porque… bem, simplesmente porque sim. É uma má ideia.
Só deves começar com a bateria, ou qualquer outra coisa, se achares que isso é um dos elementos mais importantes, se não mesmo o mais importante, nesta mistura em particular.
Muitos dos grandes engenheiros de mistura no mundo do pop altamente dependente da voz começam as suas misturas… pela voz, lá está. Em alguns estilos ou músicas, há coisas piores do que começar com sintetizadores, cordas ou guitarras, se estes forem os elementos ou relações que definem o ambiente e o propósito da música.
Ao misturares, introduz esses elementos centrais mais cedo e dá-lhes o papel central. Cada elemento adicional deve apoiar estas forças motrizes em vez de as desviar ou distrair.
#2 OUVE AS COISAS SEGUNDO O CONTEXTO
O botão “solo” vai enganar-te. Sempre. Ouve as coisas em contexto e faz as tuas escolhas segundo esse mesmo contexto.
Se, no overdubbing, aumentares constantemente o volume da parte nova para que possas ouvi-la na mistura, o som está errado ou essa parte é má.
À medida que a adicionas, cada nova peça deve encaixar no puzzle. E se te obrigares a gravar cada overdub ao nível em que este aparece na mistura? Que escolhas farias? Que sons e partes acrescentarias?
Nunca forces, nunca te prendas a um som ou a uma parte nova, por muito boa que pareça uma ideia isoladamente.
#3 ACERTA NA MONITORIZAÇÃO E USA SEMPRE REFERÊNCIAS
As escolhas que fizeres não serão boas, a menos que saibas o que estás a ouvir. É crucial um bom ambiente de monitorização, até mesmo no melhor dos ambientes, e boas referências também são importantes.
Todos nós sabemos que é suposto usarmos referências. E tu? Com que frequência o fazes? Conhece a tua sala por dentro e por fora. Compreende bem o que é considerado apropriado e ousado no estilo com que estás a trabalhar. Mesmo que queiras quebrar as regras, é preciso saber quais estas são para as infringir.
Assegura-te que os teus clientes também controlam isto. Ouve as referências juntamente com eles no espaço de produção e encoraja-os a trazerem as suas. Por mais vezes que faças isto, de vez em quando acabarás por esquecer como as coisas soam na realidade, afinal não és um robô. Por isso, volta sempre às tuas referências.
#4 ACERTA NO ESSENCIAL
Se acertares no essencial, 80% do teu projeto irá funcionar. E quanto aos outros 20%? . Eis ditado: “O perfeito é o inimigo do bom”
Mesmo que consigas acertar metade dos restantes 20%, tens nas mãos um 9 em 10, o que é muito melhor do que a maioria dos projetos no mundo. A maioria dos teus discos favoritos são provavelmente um 9 em 10, no melhor dos casos. É provável que tenhas alguns filmes, livros ou discos favoritos que classificarias como 8 em 10. (4 estrelas em 5).
A perfeição não é para este mundo. Enquanto o resto das pessoas estão a ficar neuróticas em busca da perfeição, concentrando-se em 80% de escolhas sem sentido que proporcionam 20% dos resultados; enquanto o resto das pessoas raramente consegue grandes resultados nesse núcleo essencial dos 80% do projeto; tu, por outro lado, podes avançar para o próximo.
É assim que são feitas grandes carreiras. Elas não nascem quando te preocupas com o “perfeito”. Porque o “perfeito” nunca aparece. O melhor é quando algo é “feito”.
#5 ORGANIZA OS TEUS EFEITOS EM CAMADAS
Não há qualquer regra segundo a qual apenas deves usar um processador numa determinada faixa. Às vezes, podes criar sons mais interessantes e complexos combinando diferentes versões do mesmo tipo de efeito. Por exemplo, o reverb: colocar mais do que um tipo numa voz cria um ambiente sonoro mais rico do que se utilizarmos um único plugin. Não só podes combinar diferentes tipos de espaços, como também optar por diferentes definições de decay, pré-delay e EQ para um maior interesse adicional.
Outra abordagem é usar vários compressores numa única faixa. Por exemplo, tenta usar duas emulações diferentes de compressores vintage para criar uma compressão com uma “personalidade” diferente de todas as outras.
Uma das formas de fazer com uma mistura seja memorável é preenchê-la com sons originais, por isso não tenhas medo de ser criativo.
#7 CRIA ESPAÇO
Uma das condições para criar uma mistura de sucesso é conseguir espaço para cada elemento. Podes conseguir isso com algum panning, com algum volume e com algum ambiente.
Mas há alturas em que tens mesmo de conquistar espaço com a EQ ao lidares com instrumentos que habitam em gamas de frequência semelhantes. Geralmente, tens de fazer o teu corte na gama média, o que pode ser complicado porque é aí que reside a essência da maioria dos instrumentos ou vozes.
Quando um elemento mascara outro, tenta cortar o primeiro e aumentar o segundo na mesma frequência com uma Q bastante limitada: deixa que os teus ouvidos te guiem.
#8 O TRUQUE DO REVERB DE ABBEY ROAD
Depois do reverb, usa a EQ para cortar tudo abaixo dos 600Hz e tudo acima dos 10Khz.
O reverb pode ser o efeito mais importante que podes usar na tua mistura (além de todos os outros). É o reverb que dá profundidade à tua mistura, que faz com que pareça “real” e que cria uma sensação de espaço e personalidade. Muitas vezes, usar o reverb é o elemento que define uma mistura em particular ou mesmo um estilo ou género.
Porém, o reverb é por natureza confuso e é uma das formas mais simples de tornar uma mistura turva.
Uma das formas mais fáceis e simples de libertar espaço numa mistura é usar a EQ para limpar o teu reverb.
O truque Abbey Road tem este nome porque foi inventado nos Abbey Road Studios para ajudar a criar espaço em misturas que de outra forma poderiam ser esmagadas pelo reverb. A técnica é bastante simples e surpreendentemente eficaz.
O TRUQUE SIMPLES
Configura o teu plugin reverb no respetivo fx bus (e utiliza o envio na tua faixa seca para fazeres chegar a tua quantidade preferida de sinal ao reverb) ou diretamente no group bus ou na faixa (utiliza o botão de mistura para adicionar a tua quantidade preferida de reverb).
No teu fx bus, adiona um plugin EQ antes do plugin de reverb. É importante inserir este EQ antes do reverb porque queres controlar as frequências que estão a atingir o reverb, logo de início. Se estiveres a usar o reverb diretamente num group bus ou faixa, usa os filtros EQ do teu plugin de reverb.
Agora configura um filtro passa-alto e filtra tudo o que estiver abaixo dos 600 Hz. Assim vais tirar toda aquela parte low-end mais barrenta.
Depois configura um filtro passa-baixo e filtra tudo o que estiver acima dos 10 kHz.
Este truque simples abre espaço de forma quase mágica, eliminando as partes finais de baixa frequência na gama que costuma quase sempre ficar embaralhada, ao mesmo tempo que remove as partes finais de alta frequência que podem parecer pouco naturais.
Tens mais alguma dica de mistura?
Fá-lo nos comentários que nós vamos gostar de saber.